Erosão

By Gabriella Lopes - 18:59



Correr é uma coisa que me faz bem, me bota no eixo, me faz pensar... mesmo que eu não corra realmente.

Tudo nas nossas vidas têm estado tão difícil de se carregar sozinho, tão pesado, que parece que o mundo sempre está contra nós.

E isso nos faz altamente infelizes.

Hoje, decidi correr de verdade. Calcei os tênis e corri. Com os fones de ouvido e a batida da música no volume mais alto, me motivando a ir em frente, a continuar independente da garoa fina e gelada que fazia meus óculos de grau precisarem de um limpador de parabrisa.

Eu corria na beira da estrada e as pessoas que por ali passavam pareciam achar que eu estava alucinando por estar correndo na chuva, com shorts de corrida e sutiã esportivo.

Cheguei, depois de uns dois ou três quilômetros, no trecho de onde se vê a praia: o mar estava revolto, batendo contra as pedras e eu queria ver isso de cima, se o Mirante do Convento já não estivesse fechado.

Dei de ombros e fui até a praia. Essa praia, em especial, é cheia de formações rochosas, então fui rumo às pedras e sentei-me onde minha visão julgou melhor a observação do mar. Observei as ondas baterem nas pedras e, em grande parte das vezes, este vinha com raiva o suficiente para fazer com que as pedras se quebrassem.

Enquanto o vento salgado batia em meu rosto naquele dia nublado, senti uma presença perto de mim e olhei para a direita - um senhor, nos seus setenta anos, havia se sentado na pedra ao lado e, junto comigo, observava o mar. Sua pele parecia castigada pelo sol e pela marina.

"Em anos que venho aqui, todos os dias, nesse mesmo horário" ele começou e eu parei de observar a água. "você é a primeira pessoa que parou aqui."
"Isso aqui é muito bonito para deixar de observar." falei.
"Isso é verdade." ele falou. "Você não é da ilha."
"São Paulo." respondi a afirmação e ele assentiu.
"Eu perdi meu filho para o mar." ele continuou. "Hoje faz quinze anos que venho aqui. Ele tinha trinta."
"Sinto muito." falei.
"Não sinta, menina." ele disse. "Ele arriscava sua vida para salvar outras, morreu fazendo algo que amava fazer."
"Entendo." falei e procurei mudar de assunto. A perda costuma ser algo irreparável, principalmente a perda de um ente tão querido quanto um filho. "Que lhe parece a beleza do mar?"
"O mar é belo em toda a sua conjuntura" ele começou a responder a minha pergunta. "com sua serenidade e águas claras, porém o mar tempestuoso se faz o melhor dos mares, porque é o tipo de mar que ensina os melhores marinheiros. Já ouviu a frase 'mares calmos não fazem bons marinheiros'?"
"Acho que, assim como a frase 'sempre dias mais escuros antes dos mais brilhantes'," comecei. "essa têm sido um mantra para a minha vida."
"Por que diz isso?" ele perguntou.
"Tem muita coisa acontecendo na minha vida." respondi. "Tudo vem como um tsunami, assim como as ondas que batem nessas pedras. Às vezes sinto que posso quebrar a qualquer momento, com as inúmeras rachaduras que coleciono."

Entre nós dois houve um momento de silêncio, mas não daqueles silêncios desconfortáveis e cheios de tensão: era um silêncio sereno, regido pelo som do mar.

"Os mares mais tempestuosos fazem os melhores marinheiros, menina." ele se pronunciou. "Pense que você é aquela pedra ali." ele apontou para a pedra mais alta da praia. "Desde que me conheço por gente, aquela pedra está ali, resistindo cada onda e ressaca marítima, não desmoronou e nunca fez menção de se quebrar e cair."
"Mas pedras não são ansiosas ou emocionalmente instáveis." indaguei como se fosse óbvio.
"Mas você já pensou que elas sofrem o processo de erosão e só caem se, de fato, devem cair?" ele perguntou e refleti por um bom tempo sobre a pergunta. "O que quero dizer é que, qualquer coisa pela qual você esteja passando, você é forte o suficiente para aguentar porque são apenas erosões e nenhuma erosão quebra uma pedra."
"E o desgaste emocional?" perguntei. "Quero dizer, e se ninguém aguenta mais se desgastar, sentir o peso de tudo que o mundo põe nas nossas costas?"
"Mares calmos não fazem bons marinheiros." ele citou, mais uma vez, a frase. "Se tudo fosse fácil, viver e contar a sua história não seria tão engraçado e encantador. A vida é beleza, menina, e cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é."

Olhei para o mar e, mais uma vez, procurei entender, à minha maneira, o que ele quis dizer e, quando eu tinha mais uma pergunta, olhei para o lado - ele não estava em lugar nenhum para ser visto e, quando olhei para a pedra onde aquele senhor que tinha um olhar que poderia carregar a sabedoria do mundo estava sentado, um colar com uma concha espiralada estava na pedra. Peguei o colar, coloquei-o em meu pescoço e, até que anoitecesse, olhei para o mar e passei a refletir sobre tudo o que aquele senhor me ajudou a absorver.

  • Share:

You Might Also Like

0 comentários